Em vigília por 24 horas em frente ao STF, estudantes denunciam tratamento desigual da Justiça brasileira.
Foi às 15 horas do dia 16 de julho, poucas horas depois de o Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), conceder em tempo record o segundo Hábeas Corpus seguido ao banqueiro Daniel Dantas e sua quadrilha, que montamos a “Vigília Contra a Impunidade – por direitos iguais a todos os brasileiros” em frente ao STF.
Éramos quinze estudantes representando a indignação de milhões de brasileiros. Queríamos ali, num protesto que durou 24 horas, externar o descontentamento de todos aqueles que não aceitam assistir calados aos desmandos de um poder judiciário que tira a venda dos olhos da justiça quando assiste a banqueiros e demais privilegiados de nosso país.
O mesmo STF que concedeu duas liminares de Hábeas Corpus seguidas a Daniel Dantas e companhia, envolvidos em crimes de desvio de verbas públicas remetendo ao período da privatização das teles no governo FHC, rejeitou 80% dos pedidos de mesma natureza no último período. É também esse poder judiciário que tem repetidamente criminalizado a ação dos movimentos sociais. O mesmo judiciário que considera crime lutar por mais direitos para o povo, concede liberdade a acusados de grandes crimes financeiros envolvendo recursos da União.
É gritante a disparidade com que o Poder Judiciário brasileiro trata ricos e pobres. Enquanto os senhores Dantas, Nahas e Pitta gozam de liberdade graças à presteza da resposta deste Tribunal, contra a população carente todo tipo de abuso e ilegalidade são cometidos diariamente. A afirmação se confirma sem que precisemos ir muito longe: o jovem Jefferson Coelho, de apenas 18 anos, está preso há 20 dias, apesar de ser réu primário, por tentar roubar o cordão de ouro do Ministro Gilmar Mendes. Teve seu pedido de Hábeas Corpus negado e amarga à espera do julgamento em uma cela com mais quatro detentos em um presídio de Fortaleza.
Nossa vigília foi monitorada durante todo o tempo por agentes da Tropa de Choque da PM de Brasília e seguranças do STF. Foram eles, mais numerosos do que os próprios manifestantes em diversas oportunidades, que nos impediram de montar as barracas onde pretendíamos nos abrigar do frio da noite que passaríamos na Praça dos 3 Poderes. E foram também eles que, em um momento de desatenção e fruto de um plano bem sucedido, permitiram que nos acorrentássemos à estátua da Justiça, numa representação de nosso sentimento: a justiça verdadeira e plena estará acorrentada enquanto criminosos do colarinho branco seguirem impunes e gozando de liberdade em nosso país. Foi por pelo menos 15 minutos que permanecemos ali. Logo nossas correntes e cadeados foram quebrados e confiscados. Pela frente, depois da aventura, uma noite fria a espera do retorno do sol e do calor do cerrado.
Na manhã seguinte, a estátua da Justiça acordou presa. Não precisávamos mais nos acorrentar: os próprios seguranças do STF, temendo uma nova investida, cercaram de grades a senhora pacata que descansa com a espada na mão e os olhos vendados. Foi a vez então de nos fantasiarmos de estátua da Justiça e amordaçar também a boca com um pano preto além da venda nos olhos. A performance chamou a atenção de turistas que passeavam por ali e de alguns repórteres que cobriam a manifestação.
Entre uma foto e outra com turista e entrevistas à imprensa, sempre de faixas em punho e palavras de ordem ecoando incansavelmente da garganta, aguardávamos com ansiedade o que já imaginávamos que seria o momento auge da vigília. Às 16 horas da quarta-feira, justamente quando completaríamos as 24 horas de plantão em frente ao STF, o ministro Gilmar Mendes receberia ali o chefe de Estado da Lituânia que visitava o Brasil. O tapete vermelho estendido sobre a rampa de acesso ao STF acabava bem em frente ao nosso grupo, indicando a proximidade das autoridades.
Vendo os batedores oficiais chegando, corremos para a entrada do STF com nossas faixas e palavras de ordem. O presidente da Lituânia não entendeu nada do que acontecia, e acreditando que saudávamos sua visita, levantava o polegar e acenava para a gente enquanto gritávamos: “oh, oh, oh, oh! Cadeia pra banqueiro e não pro trabalhador!”
Nesse momento, porém, o Ministro Gilmar Mendes fingia não nos ouvir, encastelado do lado de dentro do STF. Foi na saída deles, uns 20 minutos depois, que houve o momento apoteótico. Não tendo como escapar do protocolo que o obrigava a descer a rampa ao lado do simpático presidente lituano, Gilmar Mendes, com o rosto fechado e cara mau-humorada, ficou frente a frente com aqueles que não se calam frente a injustiças, e ouviu em alto e bom som as palavras que saíram da garganta de poucos que ali representavam toda uma sociedade indignada e descontente. “O Gilmar Mendes, que papelão! Solta banqueiro sabendo que é ladrão!”
24 horas depois, encerrávamos, com gosto de dever cumprido, a vigília que pretende abrir os olhos da Justiça brasileira e colocá-la novamente a serviço dos interesses do povo e do País e não funcionando como privilégio de poucos.
Lucia Stumpf
Presidente da União Nacional dos Estudantes
sábado, 19 de julho de 2008
Assinar:
Postagens (Atom)